Se a reforma tributária promete simplificar o sistema de impostos, modernizar o ambiente de negócios no Brasil, promover eficiência econômica e garantir justiça fiscal, ao mesmo tempo impõe uma série de desafios complexos para as empresas. A transição para o novo modelo, que introduz os tributos CBS e IBS e deve ocorrer até 2032, exigirá planejamento, investimento e adaptação tecnológica – um processo que, na prática, pode ser bem mais complexo e desafiador do que o previsto.
Entre os principais obstáculos está o aumento temporário da carga tributária, já que o atual e novo regime funcionarão juntos durante o período de transição – o que deve gerar impactos diretos no fluxo de caixa, segundo o especialista em tributação Leandro Cossalter, head of tax da Ecovis, que falou sobre o tema no recente Latam Retail Show, realizado na capital paulista.
Estimativas da consultoria indicam que até 93% das empresas podem enfrentar elevação dos custos ou desequilíbrios financeiros durante os primeiros anos de adaptação. Isso ocorre porque a nova metodologia de crédito e débito tributário só permitirá compensações após o efetivo pagamento ao fornecedor, alterando o ciclo financeiro de muitos negócios, explica.
Outro desafio é a complexidade operacional da transição. O período em que o sistema atual coexistirá com o novo exigirá que as empresas mantenham estruturas paralelas de apuração – o que multiplica obrigações acessórias e custos administrativos.
“Há cálculos que indicam que hoje uma empresa já precisa lidar com mais de 1,3 mil obrigações tributárias, um número que tende a crescer até que a reforma esteja totalmente implementada”, destaca Cossalter.
Além disso, há incertezas regulatórias. Com mais de 500 artigos na PEC principal, e dezenas de normas complementares ainda pendentes, a falta de clareza pode gerar insegurança jurídica e frear investimentos no curto prazo.
“É como trocar o pneu de dois carros em movimento ao mesmo tempo. Por isso as empresas têm que começar desde já a mapear riscos, investir em governança tributária e capacitar suas equipes para atravessar a transição da melhor forma.”
A seguir, o especialista destaca sete pontos essenciais para empresas se prepararem de forma estratégica para as mudanças:
1 – DIAGNÓSTICO DO CENÁRIO ATUAL
O primeiro passo é saber quanto o custo tributário representa no negócio: muitas empresas não têm clareza sobre o peso real dos impostos em suas operações e na formação de preços – o que impede uma avaliação correta dos impactos da reforma.
É preciso mapear os principais tributos incidentes sobre produtos, fornecedores, clientes e concorrentes para identificar vulnerabilidades e oportunidades. “Se alguém perguntasse hoje quanto o custo tributário representa do seu negócio, você conseguiria responder? Se a resposta for ‘não’, sua empresa já enfrenta um grande problema”, alerta Cossalter.
2 – QUANTO A REFORMA VAI IMPACTAR FINANCEIRAMENTE
Com as novas regras, preços, custos e fluxo de caixa podem mudar significativamente. A empresa deve realizar simulações para entender como CBS e IBS – os tributos que substituirão parte dos atuais – afetarão margem de lucro, competitividade e gestão financeira. “Ignorar essa análise pode gerar desequilíbrio nas contas e a perda dessa competitividade”, destaca.
3 – O SEU TIME ESTÁ CAPACITADO?
O especialista da Ecovis reforça: o período de transição exigirá conhecimento técnico e agilidade já que, durante seis anos, o sistema atual e o novo modelo tributário funcionarão simultaneamente. Tudo isso, afirma, demandará profissionais capacitados para lidar com as novas obrigações acessórias, adaptações de sistemas e atualizações constantes nas regras.
4 – COMO ESTÁ A TECNOLOGIA
Os sistemas de gestão (ERP) precisam estar prontos para operar com os novos tributos, por isso é fundamental que as empresas cobrem de seus fornecedores tecnológicos a atualização das plataformas, testem os novos ambientes e calculem os custos dessa adaptação. Entre 2026 e 2032, os sistemas terão de processar tanto os tributos antigos quanto a CBS e o IBS, o que deve dificultar o processo – tal “a troca de pneus de dois carros em movimento”, conforme citado por Cossalter.
5 – MAPEAMENTO DO MERCADO
A reforma muda o local de incidência dos impostos – que passarão a ser cobrados no destino, e não mais na origem. Por isso, além de criar um comitê para mapear os riscos, será preciso se antecipar a questões que ainda não foram totalmente regulamentadas, como a alíquota-teste, que será aplicada em 2026, e a incidência dos tributos IBS e CBS.
De acordo com o especialista, o objetivo é entender quais os possíveis benefícios que vão influenciar seu negócio, mapeando a cadeia de fornecimento devido ao risco de troca de fornecedores com a mudança da cobrança de tributos no destino e não mais na origem. “Será necessário avaliar se fornecedores e clientes continuarão sendo vantajosos e como isso causará alterações na competitividade regional”, orienta, recomendando a criação de um comitê de risco e estratégia tributária.
6 – PARA ONDE MINHA EMPRESA VAI?
Com base nos estudos anteriores, é hora de repensar o modelo de negócios: a localização da empresa ainda é vantajosa? Vale manter a estrutura atual ou descentralizar operações? Cossalter alerta que decisões sobre verticalização, terceirização ou mudanças societárias precisarão considerar os créditos tributários e os novos incentivos regionais.
7 – IMPLANTAÇÃO E GOVERNANÇA
A etapa final envolve tirar o plano do papel com uma governança tributária sólida. É o momento de definir responsáveis, capacitar gestores, criar um cronograma de transição e monitorar constantemente o mercado.
“Com uma governança tributária estratégica, a empresa poderá tomar as decisões, mesmo que doloridas, para adaptar os negócios à implantação da reforma tributária. Assim, a transição tende a ser tranquila”, sinaliza Cossalter, reforçando que o caminho é longo e que a reforma envolve 500 artigos e dezenas de normas complementares ainda em discussão.
Fonte: Diário do Comércio